sexta-feira, 27 de março de 2015

Leituras para aula de 2/4 e 10/4

Os textos para a aula sobre classes sociais e interesses materiais são possivelmente os mais difíceis com os quais trabalharemos no semestre. A noção de classe social é bastante controversa e no texto de minha autoria há uma abordagem específica, baseada na ideia de que classes se sustentam de maneira relacional, tendo como chave analítica e definidora o conceito de exploração. O texto de Offe e Wiesenthal é uma leitura exigente; o fio norteador para nossa aula é entender por que trabalhadores e donos dos meios de produção (capitalistas) enfrentam dilemas e dificuldades diferentes no momento de agirem em defesa de seus interesses. Se entendermos isso, teremos conseguido "provar" a relevância da análise de classe para dar conta de interações e estratégias sociais.

-- Claus Offe e Helmut Wiesenthal, Duas lógicas da ação coletiva, disponível aquiSó precisam ler p. 61-71.
-- João Alexandre Peschanski e Daniel Bin, "Classes sociais e mercado de trabalho", disponível aqui.

Claus Offe é um pensador instigante, autor de uma obra monumental, versando sobre teoria política. Além desse escrito de grande influência que lemos para a aula sobre o capitalismo, eventualmente o leremos também sobre o Estado e o poder. Há obras dele disponíveis na biblioteca e recomendo vivamente a leitura a quem quiser aprofundar-se sobre a maneira como as relações econômicas têm impacto na política, especialmente quando as relações econômicas não são carcomidas por corrupções e desvios.

Copio abaixo trechos de um artigo que comenta os argumentos principais de Offe e Wiesenthal, no texto que temos para ler. No fim dos trechos, há um último parágrafo de minha autoria. O autor do artigo é Alvaro Bianchi, professor de Ciência Política da Unicamp, em sua contribuição crítica ao debate sobre ações econômicas “Empresários e ação coletiva: notas para um enforque relativo” (Revista de Sociologia e Política 28, 2007):


[...] esses autores rejeitam uma “teoria geral da ação coletiva”, destacando a necessidade de diferenciar as lógicas próprias de cada grupo social. [...] Para além das semelhanças formais entre associações de empresas e sindicatos operários, esses autores procurarão apontar a diferenciação de classe específicas dos respectivos tipos de fatores input (o que precisa ser organizado) e a natureza dos outputs (condições de sucesso estratégico que precisam ser alcançadas no meio ambiente das organizações).
[...] O capital tem como necessidade combinar o trabalho e os bens de capital, a fim de produzir mais-valia. Ambos os elementos consistem em trabalho social, mas, enquanto um é o resultado de trabalho passado (“trabalho morto”), o outro é força de trabalho como potência presente. Combinar este último, que não é separável dos portadores da força de trabalho, com os demais “fatores de produção” consiste no problema fundamental com o qual o capitalista tem de lidar.
Tal diferença está no fato de que o trabalho pode ser feito somente pelo trabalhador, apesar de ele “pertencer”, legalmente, ao capitalista. Cada trabalhador controla somente uma unidade de força de trabalho que a vende sob condições de concorrência com outros trabalhadores que fazem o mesmo. A força de trabalho viva é simultaneamente viva e não divisível (possui uma individualidade insuperável, na medida em que é “possuída” e controlada por indivíduos discretos). O capital, por sua vez, compreende muitas unidades de trabalho “morto” sob um comando unificado. [...] Não podendo fundir-se, os trabalhadores, no máximo, conseguem associar-se para compensar parcialmente a vantagem de poder do capital. 
O que Offe e Wiesenthal mostram é que atores econômicos, dependendo de suas classes, podem ter diferentes qualidades – “essências”, segundo Bianchi –, o que afeta seus interesses e capacidades. Há problemas diferentes para capitalistas e trabalhadores na compreensão de seus interesses materiais. Para os capitalistas, os interesses são evidentes, “a necessidade [de] combinar o trabalho e os bens de capital, a fim de produzir mais-valia”. Todo cálculo racional dos capitalistas segue, portanto, esse único critério, a maximização da produção de mais-valia. No caso dos trabalhadores, que “possu[em] uma individualidade insuperável, na medida em que é ‘possuída’ e controlada por indivíduos discretos”, há uma miríade de interesses, na medida em que “cada trabalhador controla somente uma unidade de força de trabalho”, que é “simultaneamente viva e não divisível”, e os trabalhadores precisam desenvolver canais de comunicação para chegar à compreensão de seu interesse material como um coletivo. Os trabalhadores só conseguem agir, pelo menos inicialmente, quando superam o estágio do egoísmo e cooperam, estabelecem formas de solidariedade, dialogam. Do mesmo modo, as capacidades de luta de capitalistas e trabalhadores diferem: os primeiros precisam apenas mobilizar recursos financeiros para tentar maximizar seus interesses; os segundos precisam mobilizar pessoas, como o que ocorre em greves, o que cria toda sorte de dilemas variados, já que, em muitos casos, isso envolve riscos aos que participam de lutas em defesa dos interesses dos trabalhadores.

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